sábado, 31 de dezembro de 2011

PALAVRAS FINAIS


Como já devem ter compreendido pelo título, este é o último texto que partilho convosco. Deixem-me, por isso mesmo, regressar à linguagem na qual me sinto mais à-vontade, pois os últimos textos foram penosos de escrever pela rigidez das palavras usadas. Das coisas que contei, no entanto, nada pretendi impor como absoluto, mas apenas lançar temas para reflexão. É que todos nós somos capazes de compreender o mundo em nós próprios, de interpretar a vida pelos nossos olhos num empenho que dê sentido a esse acto de existir. Embora o conhecimento possa ser transmitido, propagado pela palavra escrita de um livro, pela palavra falada de um mestre, a sabedoria, essa, é grande demais para comportar tais limitações. Não a podemos pedir emprestada e muito menos aprendê-la em escolas; ela é, e sempre será, o resultado da compreensão que fizermos do mundo. É por essa razão que não devemos subordinar o nosso pensamento ao pensamento dos outros sem uma reflexão que nos permita compreender esse mesmo pensamento, pois se o fizermos estaremos a hipotecar a nossa própria existência; a atalhar caminho para nos tornarmos joguetes em mãos alheias, pois quando não sabemos quem somos e o que queremos, outros encarregar-se-ão de o dizer por nós. E esse é o primeiro passo para o fundamentalismo, para a intolerância, para o fanatismo cego de quem tomou o mundo pela palavra de um outro e não pela sua própria palavra como resultado de uma compreensão que fosse sua. Não é por isso forçoso pertencer a uma religião, ter uma doutrina, fazer parte de uma ordem mística ou esotérica para que a sabedoria desperte em nós. Um ateu pode estar tão mais perto dessa realização que um crente. O importante é que nos propusemos nesse empenho, nesse caminhar para nós próprios como forma de nos darmos ao mundo. Hoje, mais do que nunca, devemos tentar solidificar uma identidade que nos permita, no futuro, navegar pela força dos nossos braços. É que estes são tempos muito importantes para a humanidade, não só pelas mudanças físicas que se avizinham, mas pela queda de muitos dos paradigmas do passado. Iremos assistir, estupefactos, ao emergir de uma verdade que julgávamos fruto da superstição; o resultado de mistificações, de crendices... no televisor de nossas casas iremos ser confrontados com provas, cada vez mais evidentes, da presença de seres extraterrestres entre nós. Iremos ouvir falar de descobertas arqueológicas sobre as civilizações do passado, acentuando a necessidade de comportar tais conhecimentos dentro dos limites de uma história que seja coerente, embora distante naquilo que sempre tivemos como verdadeiro. Tal como castelos feitos de areia iremos assistir à queda dos arquétipos onde esta civilização fundeou os seus alicerces, acentuando a confusão de quem, de um momento para outro, se verá sem terra por baixos dos pés, náufragos das ilusões cultivadas durante tanto tempo. Iremos assistir, também, ao ressurgir de uma nova espiritualidade; liberta de imposições, de dogmas, de máscaras feitas à imagem do homem para servir as suas conveniências. Uma espiritualidade que irá renovar a humanidade velha nos seus trajes; lançar uma lufada de ar fresco sobre as consciências dos homens, libertando-os de um longo cárcere de ilusões. E só então estaremos prontos para compreender o significado do verdadeiro amor. Um amor que não é património de uns quantos, mas de todos os homens que procurem em si a compreensão de tal gesto. Que o vejam como resultado do respirar de Deus; o oxigénio inalado pelos seus pulmões que depois de transportado pelo sangue chegará a cada célula, alimentando-a. Se ignorarmos esse alimento universal, ficaremos incapazes de cumprir todas as funções que nos estão destinadas dentro desse corpo Cósmico. Alimento, esse, que se recebe sem a necessidade de cupões, de inscrições, sem esperar que alguém nos diga que já podemos ter a nossa parte. Compreender esse amor, caros amigos, é abrir a nossa consciência para o mundo e para os outros, é aceitar cada pessoa como uma parte de nós próprios na partilha de um espaço que nos tem por irmãos. E isso é algo que está ao alcance de todos.
Aos mais cépticos gostaria de dizer que todos os caminhos são válidos desde que sejam trilhados em consciência. Nenhum é mais importante que o outro, já que cada um apenas reflecte a diversidade de uma existência feita de muitas experiências, de muitas histórias. Aquele que acredita em Deus não é mais nem menos que aquele que não acredita, mas apenas diferente nos caminhos tomados... é que a “santidade” não se mede pelas coisas em que acreditamos, mas por aquilo que somos. Um ateu pode, por isso mesmo, ser mais “santo” que um crente. O importante é que saibamos trilhar em consciência os caminhos que escolhemos, sejam estes os da razão ou os da fé, construindo de uma forma equilibrada uma identidade que nos permita interpretar o mundo em nós próprios, sejam quais forem os instrumentos usados nessa mesma compreensão.
Aos crentes, por seu lado, digo para não tomarem os caminhos dos outros como sendo piores que os seus. Aparentemente o trabalho dum missionário que dedicou toda a sua vida ao serviço da humanidade parece ser mais nobre que o trabalho de um agricultor, no entanto, se não existisse esse agricultor, o missionário morreria de fome por não haver quem cultivasse a terra. Para que o missionário possa cumprir a sua missão, é importante que os outros também cumpram a sua, porque se assim não fosse a humanidade ficaria privada da plenitude da sua existência. E como todos nós somos personagens de muitas histórias, então todas elas são igualmente importantes nesse caminhar pelo mundo. Que o aceitar das diferenças nos permita compreender que um dia também fomos ou iremos ser como eles, que julgá-los por essas diferenças é julgarmo-nos a nós próprios pelo facto de também sermos diferentes dos demais. Que deixemos de andar com um espelho na mão virado para o rosto dos outros tentando revelar as suas falhas e defeitos, para que o possamos virar para nós próprios e reconhecer no nosso rosto falhas e defeitos idênticos. Talvez essa atitude nos permita cultivar em nós a humildade de quem compreendeu que estamos muito longe da perfeição. Digo, também, para não se cristalizarem em dogmas que tantas vezes invalidam um empenho bem intencionado. Não é suficiente saber cada palavra de uma escritura sagrada, mas interpretá-las na compreensão de um gesto que faça dessas palavras terreno fértil para um despertar que nos permita compreender os verdadeiros propósitos de Deus. Dizer que se ama porque está escrito num qualquer livro, porque tal mestre assim o disse, de nada serve. Temos que transformar essa palavra num sentimento que nos permita expressar esse mesmo amor. Repetir rituais, dizer de memória as palavras de homens sábios, e depois não praticar essas mesmas palavras nos gestos, nas atitudes, na postura sincera e humilde diante dos homens, é ignorar os verdadeiros propósitos que estão por detrás dos ensinamentos que nos foram deixados. Que não façamos do conhecimento um fim a alcançar, mas sim um meio para construir uma sabedoria que nos permita olhar para além dos conceitos, das verdades instituídas, das frases que se repetem até à exaustão sem a devida compreensão daquilo que cada uma delas transporta por detrás dos seus adornos. Apenas esse entendimento nos poderá ajudar a construir as bases de uma existência que seja coerente com os princípios que dizemos seguir, mas cujo verdadeiro significado tantas vezes ignoramos. É por tudo isso que vos digo que amar os outros não é procurar recompensas e virtudes, não é subir ao palanque à espera de aplausos pelos esforços realizados, mas humildemente colocarmo-nos num mesmo patamar e de uma forma discreta partilhar com todos a alegria de quem soube reconhecer no rosto de cada homem o olhar de um irmão. Um olhar que não tem nome, que não tem cor, que não tem credo nem nacionalidade. Um olhar que é cristalino sem os contornos de um rosto de máscaras; puro na profundidade de um gesto que nos acolhe, que nos conforta. No olhar de cada pessoa poderemos encontrar a nossa própria identidade; observar o reflexo da nossa imagem que nos fala de dentro desse mesmo olhar, revelando-nos que lá bem fundo também estamos nós. Quando compreendermos isso, todas as máscaras cairão, todas as diferenças se esbaterão; credos e nacionalidades tornar-se-ão pequenos e insignificantes, já que em cada homem saberemos reconhecer uma parte de nós que é comum a todas as coisas. E só então poderemos interpretar com clareza essa linguagem universal que é o amor. Uma linguagem que não tem donos nem patronos, que não tem línguas nem dialectos, que não está subordinada a desejos ou paixões, que não se impõe a ninguém, despertando apenas na interioridade de cada um. É a linguagem que harmoniza todo o universo; a expressão máxima da vontade de Deus que nos inspira cada momento, cada reflexão, cada intuição feita sabedoria pelo reconhecimento desse murmúrio sem tempo nem lugar. É a ternura de um sorriso, a alegria de um gesto infinito, a sonoridade límpida de um sussurro silencioso mas tão expressivo quanto o maior dos gritos. Compreender essa linguagem, e aqui me despeço, é aceitar o todo na universalidade de cada parte, e cada parte na unidade de uma só consciência.
De Mim para todos Vós, meus Amigos, um Grande Abraço, que vivam com muita Paz, Harmonia e Amor.

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