sexta-feira, 20 de novembro de 2009

AO LONGO DOS TEMPOS...

Ao longo dos tempos, numa história dispersa na diversidade dos caminhos tomados, o conhecimento foi sempre transmitido ao homem gradualmente, acompanhando o crescimento espiritual dos povos e a compreensão que estes foram fazendo do mundo que os cercava. Da mesma forma que um professor discrimina o conhecimento que possui consoante os alunos que tem diante si, ensinando contas de somar a uma criança da primária e integrais a um aluno da universidade, as entidades espirituais, e outros seres que sempre nos acompanharam, também condicionaram esse conhecimento ao grau de amadurecimento da própria humanidade. No princípio, e falo essencialmente da cultura Judaico-Cristã, pois as outras pertencem a escolas diferentes, embora integradas num todo coerente, esses ensinamentos tinham como função criar as bases de uma sociedade ordenada e civilizada, tendo a forma de leis e mandamentos que ajudassem na maturação desse povo. Muitas dessas leis parecem-nos hoje absurdas e descabidas, mas não as podemos deslocar do seu tempo. Um adulto também considerará muitas das histórias que lhe foram ensinadas enquanto criança como sendo absurdas, mas elas tiveram a sua importância na solidificação de uma identidade que sem essas histórias poderia ficar privada de muitas das suas ferramentas. Aquilo que foi apresentado a esse povo era apenas o somar das contas que a criança aprende a efectuar, as bases para cálculos mais elaborados que um dia esta viria a realizar enquanto aluno da universidade. Tempos depois, após todas essas leis se terem enraizado profundamente na cultura desse povo, novos passos foram dados na crescente espiritualização do homem. Com a vinda de Cristo outros ensinamentos puderam ser mostrados, pois aquele povo já estava preparado e afinado com um determinado tipo de realidade que não aquela que foi revelada no velho testamento. Deus podia agora ser visto sem algumas das suas máscaras. Para muitos foi um choque, pois esperavam ver em Cristo um líder que os ajudasse numa vitória contra os Romanos, uma extensão desse Deus dos exércitos que até então tinha predominado sobre uma mentalidade ainda pouco espiritual. Mas Cristo trouxe uma outra realidade: um Deus de amor. Um Deus que em vez de lutar contra os inimigos do seu povo, pedia para que os amassem. Era uma nova linguagem, ainda não ao alcance de todos. Uma linguagem que permitiu àquele povo dar novos paços na sua espiritualização. Mas Cristo apenas falou daquilo que as pessoas de então podiam compreender, não revelando a verdade por inteiro. Assuntos como a reencarnação e o mundo dos espíritos estavam reservados para mais tarde; para o período em que essa criança, feita adolescente, se encontrasse em anos mais avançados, podendo, desse modo, compreender melhor tais realidades. Embora Cristo tenha-se referido à reencarnação quando falou de João Baptista como sendo o profeta Elias, e tenha mostrado essa outra realidade espiritual quando se transfigurou diante de Pedro, Tiago e João, aparecendo ao lado de Moisés e Elias, nunca chegou verdadeiramente a aprofundar esses assuntos, pois se o fizesse, poucos seriam aqueles que o poderiam compreender; algo bem evidenciado na conversa que ele teve com Nicodemos ao tentar instrui-lo acerca do novo nascimento, dizendo-lhe: “Na verdade, na verdade te digo que, aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” Ao que Nicodemos não compreendendo, perguntou-lhe: “Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” (S. João: 3, 3-4).
A humanidade estava agora numa fase intermédia, mas ainda não na sua idade madura. Mais tarde, muitos séculos depois, a doutrina Cristã pôde finalmente ser acrescentada com outras realidades, pois a humanidade já tinha desenvolvido, não só as palavras, como a plasticidade mental para compreender outro tipo de conhecimento. E assim surgiu a doutrina Espírita que, embora tenha como base os ensinamentos de Cristo, trouxe uma outra dimensão que até então era domínio da superstição. A Allan Kardec foi transmitido aquilo que Cristo não pôde revelar, mas que agora já podia ser dado a conhecer ao homem. A partir dos contactos que este estabeleceu com alguns espíritos esclarecidos, uma nova doutrina pôde ser revelada e um novo passo foi dado na crescente espiritualização da humanidade. Mas também aqui apenas foi mostrado aquilo que o homem de então podia compreender, pois se os espíritos tivessem falado de outras realidades, de tudo aquilo que hoje já pode ser mostrado, nunca a doutrina Espírita se teria desenvolvido, pois seria difícil para as pessoas compreenderem algo que as transcendiam numa espiritualidade ainda não completamente desenvolvida. Algo bem evidenciado em algumas das respostas que um espírito deu a Kardec no seu Livro dos Espíritos quando este lhe perguntou: (182) “É-nos possível conhecer exactamente o estado físico e moral dos diferentes mundos?” Ao que o Espírito respondeu: “Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais...” E mais à frente, numa nova pergunta: (628) “Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de toda a gente?” Resposta: “Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado.” Hoje já tudo pode ser mostrado sem as máscaras do passado, embora muitas dessas realidades sejam, ainda, difíceis de compreender. Já temos, no entanto, as ferramentas necessárias para trabalhar esse conhecimento.
Nos próximos textos irei abordar alguns desses temas polémicos. Devem, no entanto, interpretar tais textos como simples histórias. Nada vos quero impor na partilha que irei fazer desse conhecimento que apenas o será se cada um de vocês assim o entender, e por isso mesmo não irei apresentá-los como sendo a verdade. Para já são apenas isso mesmo: histórias que partilho convosco e que cada um deverá interpretar em si mesmo.

domingo, 1 de novembro de 2009

UMA GOTA FEITA OCEANO

Do vasto oceano uma pequena gota destacou-se do todo, deixando o leito único de uma consciência que ela personificava na unidade de todas as coisas. Subiu depois até uma nuvem que a transportou a uma montanha de arribas escarpadas onde a pequena gota caiu sobre a forma de chuva, despertando na nascente da serra. E ali foi o princípio. Ignorando a sua existência anterior, a gota julgou ter nascido na montanha. Por momentos, enquanto saltitava nas pedras arredondadas da cascata, nada compreendeu do lugar onde se encontrava, até que desaguou nas águas calmas de um pequeno lago. Aquele era um lugar de grande paz e harmonia. A primeira morada do espírito e das almas contrárias que lhe dão expressão. No princípio, na inocência de quem acabou de nascer, a pequena gota julgou que a vida era toda ela um paraíso; que aprender era ficar nas águas calmas do lago onde nada lhe faltava, pois tudo era criado à sua imagem. Mas um dia alguém disse-lhe que teria que deixar aquele mundo de paz e encarnar num outro mundo mais difícil onde iria aprender muitas das lições da vida. A pequena gota ficou satisfeita com aquele novo desafio, julgando que tudo não passaria de um jogo, de uma brincadeira; quão inocente era, ainda, a nossa pequena gota. E assim foi lançada na corrente do riacho, deixando as águas calmas do lago. A sua primeira vida no mundo físico acabou por não correr muito bem. Foi uma vida difícil, repleta de sofrimento, onde praticou todo o tipo de barbaridades em nome da sua própria ignorância. Quando regressou, fê-lo de cabeça baixa tão envergonhada que estava da vida que tinha levado. Pensou que fossem recebê-la de dedo estendido e olhar inquiridor, pois muitos foram os erros que tinha cometido, mas não... todos receberam-na de braços abertos, de sorriso no rosto por terem de volta aquela que era como um irmão. Ainda perguntou se iria ser julgada, confusa que estava com a recepção, ao que o seu guia lhe respondeu que sim mas não por eles. Pensou logo na imagem de um juiz carrancudo e prepotente e da pena pesada que certamente iria impor sobre os seus pecados. Mas logo esqueceu tudo isso, integrando-se plenamente nos afazeres da comunidade. Um dia, um dos vigilantes que acompanhava o grupo onde a pequena gota estava integrada, e que era um ser muito mais evoluído que ela, disse-lhe que tinha chegado o momento de regressar. Para ela foi um choque. Agora que conhecia a turbulência da corrente do riacho, não queria mais deixar as águas calmas do lago. Respondeu que não iria regressar a esse mundo, que preferia viver ali onde tudo era perfeito. Ele, de expressão serena e compassiva, explicou-lhe que não era obrigada a partir, que essa era uma escolha sua. E assim ficou naquele lugar, satisfeita por saber que, se a escolha era sua, nunca mais iria regressar a esse mundo violento. Mas com o passar do tempo, e de todas as vezes que visionava as imagens dessa sua vida no mundo físico, começoua apontar os erros e os defeitos. Dizia para si mesma que se um dia regressasse iria tentar corrigir aquela falha, tentar superar aquele obstáculo. E foi só então que a pequena gota compreendeu que o juiz não era nenhum ser prepotente, mas ela própria. Esse era o verdadeiro julgamento: aquele que ela impunha sobre si mesmo. Procurou de imediato o vigilante, dizendo-lhe que estava disposta a encarnar para corrigir os erros do passado. Ele ficou satisfeito, e logo prepararam a sua nova experiência no mundo físico. Mas esta também foi uma vida difícil para a nossa pequena gota. Uma vida cheia de obstáculos que não conseguiu transpor. Tornou-se comerciante de escravos nesse mundo de ódios, desprezando esses seres que considerava inferiores. Quando regressou, trazia nos ombros um peso tão grande que impossibilitou que se integrasse plenamente no seu grupo. Eles tentavam animá-la; diziam-lhe que era natural cometer erros no mundo físico... mas ela preferia a solidão, meditando sobre uma vida onde nada tinha aprendido. Não conseguia suportar aquele peso que tornava difícil a sua integração no grupo e naquele lugar de paz. Quando o vigilante, que era o seu guia espiritual, propôs-lhe uma nova vida no mundo físico, a pequena gota não hesitou um único momento em aceitar tal proposta. Queria encarnar como escravo e desse modo libertar-se do peso que tornava insuportável viver naquele lugar de paz. E assim, por vontade sua, sem que ninguém lhe impusesse tal escolha, encarnou como escravo, vivendo tudo aquilo que em tempos desprezara. Foi uma vida muito difícil, mas libertadora. Quando regressou vinha leve e feliz. Tudo à sua volta assumiu novas cores, possibilitando que se integrasse plenamente no grupo. Depois sucederam-se muitas outras vidas numa cadência de milénios, umas melhores, outras piores, dando-lhe a oportunidade de crescer na sua espiritualidade. Quando se adiantava em relação aos restantes membros do grupo, era integrada noutros grupos mais evoluídos até ao dia em que também ela se tornou vigilante de um grupo acabado de ser formado. Quando se graduou nas lições do mundo físico, assumiu novos caminhos. Tornou-se aluna de uma outra escola, aprendendo a arte de criar vida no universo. No princípio manipulava a vida apenas ao nível celular, criando organismos simples, mas depois, numa sucessão de experiências e num amadurecimento crescente, tornou-se criadora de povos, de raças. Mais tarde, cada vez mais próxima do oceano nessa caminhada rio abaixo, criou planetas, estrelas, sistemas solares, galáxias. E um dia, já muito perto da foz do rio que se precipitava nas águas do oceano, essa gota, agora grande de sabedoria e experiência, criou universos à sua imagem e semelhança. E só então penetrou na imensidade do oceano, regressando ao lugar de onde partira. No princípio era uma pequena gota acabada de surgir na nascente da montanha, inocente e ignorante, mas agora era grande; agora era o oceano por inteiro... E do vasto oceano uma nova gota destacou-se do todo, deixando o leito único de uma consciência que ela personificava na unidade de todas as coisas. Subiu depois até uma nuvem que a transportou a uma montanha de arribas escarpadas onde a pequena gota caiu sobre a forma de chuva, despertando na nascente da serra. E ali foi o princípio...