sábado, 24 de outubro de 2009

UMA CRIANÇA QUE SE FEZ ADULTO

Num lugar algures dentro de todos nós, existia uma pequena criança fechada entre quatro paredes de uma sala, entretida com os seus brinquedos que eram a única realidade que ela conhecia. A sala onde brincava era como um mundo onde experimentava os primeiros passos, onde dava as primeiras quedas, onde construía e destruía os castelos feitos de peças. Ali, entretida nas brincadeiras que ela julgava serem a única realidade, vivia esquecida do mundo que envolvia essa sala iluminada por uma luz de candeeiro, fechada entre janelas trancadas e portas lacradas. Mas um dia, as janelas dessa sala abriram-se diante dos seus olhos esbugalhados. Ela, deslumbrada com a luz que vinha de fora, largou todos brinquedos, caminhando timidamente até junto da janela que lhe revelou um novo mundo. Pela primeira vez sentiu o conforto do sol no seu rosto, a brisa suave nos seus cabelos soltos; observou as árvores que se curvavam na suavidade do vento que nelas se tornava presente, a frescura das plantas no colorido luminoso do orvalho constante, a beleza única de um lugar alimentado pelo brilho prateado de um ribeiro de águas ternas, pela paz uníssona das melodias que lhe chegavam vindas de todo o lado. E quando as portas lacradas se abriram, ela partiu de braços abertos sobre a erva-fina e aparada, correndo atrás das borboletas, dos pássaros que dela não fugiam, da beleza única de um lugar tão especial. Para trás deixou todos os brinquedos, fundindo-se com a natureza daquele lugar que sempre esteve junto de si, mas que ela ignorava por viver fechada entre quatro paredes; entretida com os seus jogos, com as suas brincadeiras, com as suas construções e realizações tão inocentes. Um dia, depois de se tornar adulta, essa criança, que deixou de o ser, regressou à mesma sala. Num baú colocou todos os brinquedos, abrindo as janelas e as portas; deixando que a luz do sol iluminasse cada recanto daquele lugar em tempos fechado. A partir de então não mais as janelas se trancaram nem as portas se lacraram. Os dois mundos tornaram-se um só, e essa criança, que já não o era, pode finalmente iniciar a construção de uma existência não mais limitada pelas quatro paredes que a escondiam do mundo, mas aberta num horizonte vasto que lhe ensinou que tanto a sala como o lugar que a envolvia eram partes unificadas de uma só realidade.

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